Entrevista com Vital Lacerda

CO2
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Vital Lacerda

Como nasceu a ideia que levou à criação do “CO2”?

Andava à procura de um tema económico que fosse actual, que desempenhasse um papel com alguma relevância na vida das sociedades, algo universal mas ao mesmo tempo que gerasse alguma polémica e preocupação. O tema não completamente original, pois já existem alguns jogos com a mesma abordagem, mas não encontrei nenhum que tivesse a complexidade e o nível de estratégia do CO2.

O que é que pode dizer sobre o jogo?
CO2 é um jogo que tem por objectivo suprimir as emissões de dióxido de carbono na atmosfera. O twist reside na dificuldade que as organizações têm em angariar fundos suficientes, para que se dê a viragem de uma economia baseada na produção de energia de combustíveis fósseis. Assim o jogo retrata em parte a política actual de compra de emissões de CO2 das companhias citadas, como se tratasse de uma autorização para poluir, originando fundos monetários, para que organizações que trabalham em conjunto com a ONU possam investir num crescimento sustentado de energias não poluentes. O jogo possui um lado político referenciado nas cartas de acção e em objectivos mundiais como as cartas de cimeiras e políticas regionais. CO2 tem ainda uma versão avançada que aumenta o grau de dificuldade do jogo através da adição de eventos relacionados com os efeitos de estufa, que acontecem à medida que o jogo se desenrola, tornando o factor económico mais difícil de gerir.

O jogo já tem editora? Qual?
Ainda não. O jogo está em apreciação, mas esta fase demora tempo e é determinada por alguma sorte, especialmente quando se trata de designers totalmente desconhecidos. Não é tarefa fácil encontrar editora, mas eu acredito na qualidade do jogo e tendo bastantes opiniões favoráveis acredito que virá a acontecer.

Onde é que vai buscar as ideias para os seus jogos? Começa pela mecânica ou pelo tema?
Por agora tenho apenas dois jogos desenhados. O primeiro, que espero ver publicado ainda este ano, chama-se Vinícola e o segundo projecto finalizado é este CO2. Ambos partiram do tema.

Em que tipo de mecânica prefere focar o processo de desenvolvimento dos seus jogos?
Não tenho nenhum método definido, normalmente procuro as mecânicas que melhor se conseguem integrar no tema e no desenrolar do jogo. A originalidade é outro factor que tenho em atenção. Muitas vezes a simples mudança de uma mecânica que já existe pode torna-la bastante original. No CO2 o work placement torna-se original pela adição de mais um personagem que fica no tabuleiro, enquanto outros voltam para a mão do jogador, a mecânica da substituição de fábricas e os acordos, onde o jogador emite certificados de CO2, que lhe dão pontos negativos em troca de dinheiro, também me parecem adicionar alguma originalidade ao jogo.

Que nível de sorte considera aceitável nos seus jogos?
Pessoalmente evito demasiada sorte nos meus jogos. Gosto que o jogo tenha alguma aleatoriedade, mas procuro sempre que as condições de vitória não dependam dela.

O desenvolvimento de um jogo envolve várias fases – criação, edição, testes e publicação – qual é a que mais lhe agrada? Porquê?
A criação do jogo e os testes. Sou designer de profissão e trabalhei durante mais de 10 anos como director de arte em agências de publicidade. Por isso a criação faz parte integrante da minha vida. Também gosto muito de fazer os testes aos jogos, pois consigo ver como o projecto evolui e permite receber sempre um excelente feedback do que devo alterar ou não nos protótipos. Dou sempre muita importância às reacções e opiniões dos jogadores. Sem elas nunca seria possível fechar nenhum jogo. Na minha opinião os testes são parte integrante da criação do jogo.

Em quantos jogos trabalha ao mesmo tempo? Trabalha em vários projectos em simultâneo ou dedica-se apenas a um único?
Os dois que fiz foram trabalhados apenas um de cada vez, mas durante o processo de desenvolvimento do jogo surgem sempre novas ideias e mecânicas, o que me faz ter vários projectos em aberto ao mesmo tempo. É inevitável. Neste momento no meu computador tenho um turbilhão ficheiros com ideias e temas novos que posso desenvolver. Muitos deles vejo logo que não resultam e outros ainda trabalho neles durante um tempo, mas depois ponho-os de lado porque sinto que não me levam a lado nenhum.

Pode dizer alguma coisa sobre o projecto em que trabalha actualmente?
Neste momento estou a desenvolver dois projectos. Um deles, com alguns testes já realizados, encontra-se numa fase mais evoluída, mas ainda não tenho a certeza se vou continuá-lo. Outro que me está a dar muito gozo a trabalhar é um económico passado no princípio do séc. XX, relacionado com a indústria automóvel.

Com que frequência joga ou testa um jogo antes da publicação?
O mais possível. O Vinícola que é o primeiro jogo a ser publicado deve ter tido mais de 100 testes, e continuo a jogá-lo sempre que posso, foi desenhado para ser jogado durante um serão. Não é de todo, como costumo chamar um 'gumgame', que se joga à pressa para colocar outro imediatamente na mesa. Não. É um jogo para ser apreciado e jogado com calma depois de um jantar com um casal amigo, acompanhado de uma boa garrafa de vinho. Apesar de ser um jogo com alguma complexidade, tem sido muito bem aceite por jogadores casuais, proporcionando-lhes um serão divertido, bastante social porque provoca muito a conversa e uma experiência de jogo muito positiva. Por isso é uma das minhas escolhas preferidas e jogo-o com alguma frequência. O CO2 foi testado mais de 50 vezes e ainda vai ter muito mais testes pela frente.

Com que frequência joga os seus jogos depois de serem publicados? Prefere jogar os seus ou os jogos de outros criadores?
Ainda não tenho nenhum jogo publicado, mas espero, continuar a jogá-los muitas vezes se algum dia forem publicados. Gosto de jogar ambos. Jogo constantemente jogos de outros criadores, mas sempre que posso ponho um dos meus na mesa, depende muito do tipo de jogadores que encontre.

Qual o jogo que levou mais tempo a desenvolver e qual o que teve mais alterações?
O vinícola demorou 3 anos até conseguir editor e continuo a desenvolve-lo. O primeiro ficheiro do Vinícola data de 2007.

As editoras desenvolvem e alteram os originais que entrega? Fica sempre satisfeito com os desenvolvimentos introduzidos?
Normalmente sim. Sei que o Vinícola está a ser testado e alterado. O nível de alterações depende de jogo para jogo. Mas não tenho experiência para poder dizer mais sobre isso.
Espero ficar contente com o produto final, mas como ainda não tenho nenhum jogo publicado não posso dizer nada a esse respeito.

Quando é que se apercebeu que criar jogos era o seu sonho?
Como já escrevi o processo de criação faz parte do meu dia-a-dia, o prazer que tenho neste hobbie também desempenha um papel importante na minha vida. Assim foi só juntar as duas coisas e tentar mais um caminho.

Como se define a si próprio como criador de jogos?
Não me considero um criador de jogos, pois ainda só fechei dois projectos e apenas um está em vias de ser publicado.
Simplesmente gosto de criar jogos, procurar temas, pesquisar sobre as coisas, juntar tudo e ver o que sai. Sou bastante flexível em relação às opiniões dos jogadores que estão comigo a testar um jogo, gosto de assimilar toda a informação e depois procurar a melhor solução para melhorar o jogo. Sou muito exigente no progresso e no resultado final do jogo e sinto-me sempre insatisfeito, tenho sempre a sensação que posso fazer melhor, existe sempre maneira de melhorar o jogo.

É um criador solitário ou a família e os amigos participam no processo de criação de um novo jogo?
Não, nada solitário. Discuto ideias e falo com todos os que possam interessar-se pelo assunto. A minha família testa constantemente os meus jogos. A Sandra, a minha mulher, tem um espírito critico enorme, muito astuto, e é tão ou mais curiosa no desenvolvimento das ideias que eu. Ela é sem dúvida o elemento muito importante neste processo. Tenho também um grupo de amigos com o qual jogo regularmente, que tem a paciência e o gosto de discutir as ideias para desenvolver jogos. O feedback que recebo deles é a chave para desenvolver ou não uma ideia. Normalmente é com eles que eu testo pela primeira vez. E acontece com bastante frequência o jogo nem passar do setup.

Joga apenas de vez em quando ou os jogos são parte integrante do seu quotidiano?
Jogo sempre que posso. Como tenho duas filhas, nem sempre consigo tempo. Mas normalmente consigo fazer uma sessão ou duas por semana.

Qual o jogo que mais gosta de jogar? Porquê?
Qual o seu jogo favorito? Qual o tipo de jogo que mais gosta?
O meu jogo favorito no momento é o Brass. Gosto muito de jogos que tenham algum tema possuam tabuleiro e cartas. Tenho preferência por jogos de gestão, económicos e com um grau de estratégia e complexidade elevados. Prefiro também jogos em que a sorte não seja decisiva para a resolução final do jogo.

Que prefere: jogar ou criar jogos?
Gosto dois de igual forma, acho que seria impossível para mim criar um jogo sem jogar umas quantas dezenas deles antes.

Segue, com especial atenção, algum criador de jogos?
Sigo vários. Martin Wallace é o meu criador favorito, acho que ele é genial na inovação das mecânicas.
Stefen Feld é também uma referência para mim, acho que ele consegue introduzir uma grande simplicidade nos jogos que desenvolve. Sigo de perto, sempre com grande interesse o trabalho de de Karl Heinz Schmidel e Friedmann Freese. Felizmente, estão também a aparecer novos designers que acredito que possam vir a ter um grande nome no mercado, com Paolo Mori (Vasco da Gama e Ur) e Vladimír Shuchy (League of six e Shipyard).

Tem outro emprego, ou é um criador de jogos a tempo inteiro?
Gostava muito de ser criador de jogos a tempo inteiro. Como sou designer freelance, trabalho num atelier em minha casa, o que facilita a gestão de tempo permitindo-me passar uns quantos dias a criar sem parar. Por agora isso não é possível, mas nunca se sabe como será o futuro.

Será que os jogos de tabuleiro podem ser usados para fins educativos?
Sem dúvida, existem muitos jogos desenhados com esse fim e a maioria dos jogos tem sempre algo a ensinar. Desde o ensino de operações aritméticas simples para crianças, passando por lições extremamente pormenorizadas de história, até outras disciplinas, como a liderança, gestão, resolução de conflitos, tomadas de decisão, etc...

Que pensa sobre jogar jogos de tabuleiro on-line?
Jogo muito pouco. O único que de momento é o Brass, mas já joguei Tigris e Euphrates. As vantagens são as mesmas de qualquer jogo online, facilitam a angariação de parceiros a qualquer hora e em qualquer parte do mundo e pode jogar-se em qualquer lado, mas não nos oferecem o nivel de sociabilização que um jogo numa mesa com toda a gente presente oferece, e nisso os jogos de tabuleiro são sem dúvida muito generosos.

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