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dreamwithboardgames
Alf Seegert
Como nasceu a ideia que levou à criação do “Bridge Troll”?
Há alguns anos descobri uma estátua na baixa de Salt Lake City que mostrava uma mulher a conduzir um rebanho de ovelhas através duma ponte. Imaginei que poderia ter piada se alguém pusesse um daqueles bonecos duendes, peludos, malucos e nus debaixo da ponte, exigindo pagamento de portagem a quem quisesse atravessar a sua ponte. Na altura, estava a começar a criar jogos, pelo que me questionei como me sentiria se fosse um duende e como a vida de um duende poderia ser transformada num jogo. Como sobreviria um duende debaixo de uma ponte tão desconfortável? Como conseguiria arranjar viajantes para atravessar a sua ponte? O que comeria, quem extorquiria? Como usaria o seu dinheiro? Não foi preciso muito para que tivesse um protótipo para o jogo.
Onde é que vai buscar as ideias para os seus jogos? Começa pela mecânica ou pelo tema?
Começo, quase sempre, pelo tema. Ou, algumas vezes, os temas é que começam comigo! Não é raro que algumas ideias muito estranhas me agarrem pelo pescoço e insistam ser transformadas em jogo. Faço por prestar a máxima atenção ao meu quotidiano - histórias, livros, etc. – e tento imaginar “como seria fazer disto um jogo?”. Assim, os jogos vêm ter comigo através da literatura, do meu trabalho no Hansen Planetarium, das caminhadas pelos trilhos rochosos do sul do Utah, das minhas brincadeiras como a Mia (a cadela de um amigo) e de observar os meus gatos gordos girando pela casa.
Em que tipo de mecânica prefere focar o processo de desenvolvimento dos seus jogos?
Sempre que possível, gosto que as mecânicas envolvam todos os jogadores simultaneamente, em vez de apenas um de cada vez. Quero que todos se sintam envolvidos o mais possível nos jogos. Gosto que existam decisões difíceis que obriguem os jogadores a escolher apenas uma opção, quando realmente pretendem duas ou mais coisas. Também gosto que as mecânicas e os temas estejam perfeitamente integrados; nos meus jogos tento que sejam os temas a criar a mecânica e não o contrário.
Que nível de sorte considera aceitável nos seus jogos?
Depende do tema e da duração do jogo. Para jogos curtos ou médios, como o Bridge Troll, alguma sorte e caos são aceitáveis. Um jogo muito “sério” não se adequa ao tema de um duende. No Bridge Troll, a maioria das acções de um jogador dependem do que os outros jogadores fazem, pelo que mantém todos envolvidos. Muitos jogadores disseram-me que a primeira vez que se joga o Bridge Troll parece tudo muito caótico, mas que nas vezes seguintes se vai tornando cada vez mais estratégico, à medida que se entende as diferentes cartas e a interacções do jogo. Daí que seja aconselhável encarar a primeira vez como pura aprendizagem.
Em quantos jogos trabalha ao mesmo tempo? Trabalha em vários projectos em simultâneo ou dedica-se apenas a um único?
Gostaria de poder trabalhar apenas num jogo de cada vez, mas parece que tenho sempre várias ideias em simultâneo que necessitam a minha atenção.
O que é que pode dizer sobre o projecto em que trabalha actualmente? Pode revelar alguns detalhes do jogo em si?
O Bridge Troll foi o meu primeiro jogo a ser publicado, mas tenho, desde há algum tempo, muitos outros em avaliação em diferentes editoras (a maioria deles foram finalistas do concurso Hippodice na Alemanha). Na semana passada, um dos meus jogos mais recentes foi seleccionado para publicação pela FRED Distribution (editora do Gryphon e de Eagle Games - http://www.freddistribution.com/control/main), o que foi uma excelente notícia para mim. Tudo o que posso dizer, por agora, é que é um jogo, tal como o Bridge Troll, um pouco “torcido” e, espero eu, divertido, baseando-se no conto medieval “Canterbury Tales” de Chaucer. Tenho dois outros jogos em editoras, pelo que faço figas para que possam ser publicados também.
A sua família e amigos participam na sua aventura de criação de um novo jogo?
Oh sim, quer gostem ou não! :) A minha mulher e eu estamos sempre a jogar jogos de tabuleiro, jogamos regularmente com amigos há mais de dez anos. Faço também parte do Board Game Designer’s Guild of Utah que é um grupo de aspirantes a criadores que se encontra duas vezes por mês em Salt Lake City (Utah) para testar os jogos uns dos outros. Ajuda muito fazer parte deste grupo! (mais informação sobre o grupo em http://www.bgdg.info )
O desenvolvimento de um jogo envolve várias fases – criação, edição, testes e publicação – qual é a que mais lhe agrada? Porquê?
Boa pergunta! De todos, diria que a criação e publicação são os mais divertidos.
Na parte inicial, o estalo de endorfinas para transformar todas as novas ideias em coisas divertidas e o prazer que se sente ao ver novas ideias transformadas em jogos. Na fase final, a publicação é certamente o máximo. Mas, existe a edição e os testes pelo meio. Aqui a história já é bem diferente. É um trabalho bom, algumas vezes até divertido, mas é, sem dúvida, trabalho!
Com que frequência joga ou testa um jogo antes da publicação?
O mais possível, com amigos, com a família e, sempre que posso, com pessoas que não conheço pessoalmente (são as que dão as opiniões mais sinceras!). Normalmente, as editoras também entregam os seus jogos a jogadores de teste para avaliar e afinar os protótipos antes de publicação.
Qual o jogo que levou mais tempo a desenvolver q qual o teve mais alterações?
O protótipo do Bridge Troll foi feito em 2002. pelo que demorou sete anos a ser publicado! (jogámo-lo muito enquanto aguardávamos pelo The Two Towers). Foi finalista do Hippodice em 2005, o que foi um voto de confiança para a sua publicação. Só as mecânicas foram alteradas entretanto, não o tema. Posso agradecer a pessoas como Dave Bailey e Mike Compton da Board Game Designer’s Guild pelas sugestões e algumas das grandes modificações que melhoraram o jogo.
Tenho também um jogo para dois jogadores, chamado Ziggurat, que foi criado também em 2002 e que é, na minha opinião, o mais interessante e mais estratégico (foi também finalista no Hippodice de 2005). Precisará duma redefinição do tema antes de ser publicado, mas tem uma sólida mecânica. Tenho esperança que os editores que o têm se decidam a publicá-lo. Os jogos para dois jogadores têm um mercado mais pequeno que os outros, se a isto aliarmos o facto de o jogo ter muitas peças e um tabuleiro, temos um lançamento problemático. Mas com a chegada de excelentes jogos de dois jogadores, e respectivo sucesso no mercado, como o Mister Jack, aumentaram as minhas esperanças.
Um dos meus jogos de 2007, TEMBO, portou-se muito bem no concurso de criadores no Hippodice do ano passado (ficou em 3º lugar), mas depois de estar quase a ser publicado por uma proeminente empresa de jogos, o projecto foi abandonado. Penso que a razão se deve ao facto do tema ser muito similar a um jogo que está para ser lançado. TEMBO é sobre elefantes que transportam mercadorias por todo o tabuleiro – imaginem o meu choque quando vi o Bombay aparecer! Claro que foi apenas uma coincidência. Pelo que eu sei, este tipo de coincidências acontecem em todas as actividades, mas, na altura, não deixou de ser frustrante. O objectivo agora é redefinir o tema do TEMBO e esperar que a empresa reconsidere. O meu outro jogo que foi seleccionado pela FRED foi criado em 2008, pelo que o seu caminho foi bem mais rápido.
As editoras desenvolvem e alteram os originais que entrega? Fica sempre satisfeito com os desenvolvimentos introduzidos?
Algumas editoras querem um jogo acabado e pronto a ser publicado. Outros preferem poder desenvolver ou, até mesmo, redefinir o tema de um jogo que seja bom mas que requer algum trabalho. Já trabalhei com estes dois tipos de editoras e cada um tem as suas vantagens. O primeiro tipo dá uma maior liberdade ao criador, mas tal tem como consequência uma maior exigência de trabalho e disponibilidade para desenvolvimentos posteriores. As outras editoras, aquelas que querem ajudar no desenvolvimento do jogo, são muito úteis, pois partilham o trabalho necessário para afinar um jogo antes da respectiva publicação.
Como é que a internet afecta a criação dos seus jogos? Lê os comentários on-line sobre os seus jogos?
Oh sim, vou ao Boardgamesgeek e outros sites com regularidade. É um website muito poderoso! É útil para ler as opiniões, sobretudo como um guia para compilar listas de clarificação das regras, FAQ, etc. Também pode ajudar a perceber se as pessoas gostam do jogo ou não!
Que pensa sobre jogar jogos de tabuleiro on-line?
Gosto de jogar alguns jogos online e contra o computador, mas tenho que admitir que uma das razões porque gosto tanto de jogos de tabuleiro é por poder jogar com amigos cara-a-cara. Para jogar no computador, prefiro jogar os jogos de vídeo normais – dos quais também tenho os meus favoritos – mas tenho menos tempo para isso que aquele que costumava ter.
Com que frequência joga os seus jogos depois de serem publicados? Prefere jogar os seus ou os jogos de outros criadores?
Gosto de muitos jogos dos meus amigos criadores. Fico um pouco farto dos meus jogos passado algum tempo. Na altura que são publicados já se está pronto para saltar para outra coisa. Mas não deixa de ser divertido poder jogar os nossos próprios jogos com a qualidade de peças e design gráfico que advém da publicação.
Joga apenas de vez em quando ou os jogos são parte integrante do seu quotidiano?
Eu e a minha mulher começámos a noite de jogos à cerca de dez anos com o The Settlers of Catan e, desde aí, que jogamos uma vez por semana com amigos. Gostamos sobretudo de jogos para dois jogadores, como o Mister Jack, o Caesar & Cleopatra, o Mystery Rummy, o Lost Cities, o Odin’s Ravens, etc.
Qual o jogo que mais gosta de jogar? Porquê?
É difícil responder, pois há muitos jogos de que gosto. Um dos meus favoritos continua a ser o The Princes of Florence. Adoro a beleza intrínseca de colocar edifícios à volta do meu Plazzo. O jogo está tão bem desenhado que não consigo deixar de admirá-lo. The Traders of Genoa é um dos melhores jogos de comércio que já joguei e o Mystery of the Abbey é um dos mais divertidos e inteligentes. Gosto também de jogos recentes como o Stone Age e o Mister Jack. O Dominion é também divertido, claro.
Qual o seu jogo favorito? E qual o tipo de jogo que mais gosta?
É interessante esta distinção entre os meus «favoritos» e os jogos que «gosto mais». Suponho que será como uma crítica literária: há alguns autores que se «admiram» mais do que gostar? Toda a gente admira Henry James, mas não conheço muita gente que goste dos seus livros. Da mesma forma, admiro muitos jogos, como por exemplo o Agricola, mas, pessoalmente, acho-o demasiado complicado para montar e jogar muitas vezes com os amigos. O mesmo se passa com o Puerto Rico. O War of the Ring também dá muito trabalho a preparar, mas é um jogo excepcional.
No fundo, gosto de jogos que consigam criar aquele aperto na barriga com as decisões difíceis a tomar. O Taj Mahal é um bom exemplo disso. Gosto também dos jogos que fazem rir toda a gente. Ao fim de tantos anos continuo a gostar muito de Adel Verpflichtet/Hoity Toity, tal como de jogos de sociedade como o Balderdash.
Que prefere: jogar ou criar jogos?
Gosto de ambos. Mas, infelizmente, quanto mais trabalho na criação, menos tempo me sobra para jogar. Às vezes gostaria de poder desligar o “cérebro de criador” e poder simplesmente jogar jogos mais vezes.
Acha que as vendas são o factor determinante para que um jogo seja bom ou não?
Não. Muitos dos jogos que estão no top de vendas deixam-me completamente gelado.
Quando é que se apercebeu que criar jogos era o seu sonho?
“Sonho”, é isso mesmo. Criar jogos tira o sono! Penso que foi à cerca de oito anos que me apercebi que todos aqueles grande jogos que estava a jogar tinham sido criados por pessoas de «carne e osso» como eu. Tinha algumas ideias para jogos, pelo que resolvi tentar ver se tinha alguma aptidão para criador de jogos.
Como se define a si próprio enquanto criador de jogos?
Actualmente, com a publicação do meu jogo Bridge Troll, fico contente por me definir apenas, e em primeiro lugar, como um criador com jogos publicados! As pessoas tratam-nos de maneira *muito* diferente quando vêem um produto acabado na prateleira de uma loja de jogos. Deixam de nos tomar como um «sonhador». Passa-se, como por magia, a ser considerado um “criador de jogos”! No que concerne ao tipo de criador que sou, ter-se-á que aguardar para ver, pois só apenas tenho um jogo publicado. Até agora os meus protótipos são esquisitos e estranhos, pelo que não me surpreenderia que fosse definido como tal.
Tem outro emprego, ou é um criador de jogos a tempo inteiro?
(*Risos*) Como se pudesse! Pouco criadores conseguem ganhar o suficiente com a criação de jogos que lhes permita fazer disso um emprego a tempo inteiro. Sou aluno do Doutoramento em Inglês (literaturas britânica e americana) na Universidade do Utah. Gosto de ensinar, pelo que no futuro poderei criar jogos e dar aulas, e também escrever.
Segue, com especial atenção, algum criador de jogos?
Gosto muito de Bruno Faidutti e acompanho um bocado Wolfgang Kramer e Rudiger Dorn. Knizia publica tantos jogos que se torna difícil segui-lo. Tento estar atento a novos criadores como Matt Leacock, cujos jogos me impressionam bastante pela esperteza das ligações e das mecânicas. E, como é óbvio, não poderia deixar de acompanhar os progressos dos meus colegas do Board Game Designer’s Guild of Utah! O meu colega Mike Compton vai publicar, lá para o fim do ano, através da Rio Grande Games, o jogo “The Heavens of Olympus” (imagens do protótipo em: http://www.boardgamegeek.com/boardgame/37680 ). Sean MacDonald terá o seu jogo, sobre pintar obras-primas, publicado pela FRED Distribution em 2010. E brevemente outros membros irão também ter jogos publicados, incluindo Scott Nelson's com o Diver Down e Mike Drysdale's com o Hagoth:Builder of Ships. O membro Ryan Laukat não fez apenas as ilustrações para o Bridge Troll, mas também para o jogo Strozzi de Reiner Knizia e para o Dominion e suas expansões.
Será que os jogos de tabuleiro podem ser usados para fins educativos?
Absolutamente. Giles Pritchard tem um website totalmente dedicado à temática da utilização de jogos na educação (http://www.gamesforeducators.com/). O meu colega do Guild, Steve Poelzing, dirige uma empresa, Games for the Mind, que se direcciona para jogos educativos: http://www.gamesforthemind.com.
Mas, para mim, simplesmente *jogar* jogos de tabuleiro é mais importante que jogar especificamente jogos de tabuleiro *educativos*. Eu raramente aprecio jogos rotulados de *educativos*. Muita *educação* acontece só por jogar, ler as regras e interagir com os outros jogadores, independentemente do jogo que se jogue. Estudos mostram que jogar jogos activa o cérebro e estimula a construção de novas ligações, para além de se construírem novos relacionamentos e, ao enquadrar conflitos, reduzir tensões.
Que pensa da actual crise económica? Irá afectar a venda de jogos?
Espero que com mais “ficar cá” e o aumento dos custos das viagens, os jogos de tabuleiro sejam mais jogados por amigos e famílias. Um jogo de cinquenta dólares pode parecer caro, mas se fizermos as contas às horas que se passam a jogar, é, de facto, muito barato.
Os jogos “Age of Empires III” e “Goa” retratam tempos gloriosos de Portugal, será que a História de Portugal poderá a vir a ser o tema de um dos seus jogos?
Há alguns anos criei um jogo sobre o Comércio de Especiarias, que envolvia Portugal como uma das principais potências dominantes, através das suas colónias no Oriente. Infelizmente, o jogo nunca chegou a “funcionar”. Também fui consultor de um jogo de Piratas envolvendo diversas potências marítimas, Portugal era uma delas. Portugal tem uma história fascinante e poderá ser uma grande fonte de inspiração para muitos jogos. Têm alguma sugestão para um jogo sobre Portugal? Sou todo ouvidos!
Que conhece de Portugal? Já esteve em Portugal?
O mais próximo que estive de Portugal foi no tabuleiro do El Grande que se passa em Espanha! Ainda não visitei, mas estou curioso em aprender mais sobre Portugal. Por mais embaraçoso que possa parecer, o meu contacto com o português vem de ler a novela de ficção científica, Speaker for the Dead, de Orson Scott Card que se passa numa colónia espacial portuguesa. A minha mulher fez parte dos seus estudos num colégio em Espanha, e isso foi o mais próximo de Portugal que estivemos.
Muito obrigado pela entrevista.
Obrigado, Paulo. Foi um prazer!
Há alguns anos descobri uma estátua na baixa de Salt Lake City que mostrava uma mulher a conduzir um rebanho de ovelhas através duma ponte. Imaginei que poderia ter piada se alguém pusesse um daqueles bonecos duendes, peludos, malucos e nus debaixo da ponte, exigindo pagamento de portagem a quem quisesse atravessar a sua ponte. Na altura, estava a começar a criar jogos, pelo que me questionei como me sentiria se fosse um duende e como a vida de um duende poderia ser transformada num jogo. Como sobreviria um duende debaixo de uma ponte tão desconfortável? Como conseguiria arranjar viajantes para atravessar a sua ponte? O que comeria, quem extorquiria? Como usaria o seu dinheiro? Não foi preciso muito para que tivesse um protótipo para o jogo.
Onde é que vai buscar as ideias para os seus jogos? Começa pela mecânica ou pelo tema?
Começo, quase sempre, pelo tema. Ou, algumas vezes, os temas é que começam comigo! Não é raro que algumas ideias muito estranhas me agarrem pelo pescoço e insistam ser transformadas em jogo. Faço por prestar a máxima atenção ao meu quotidiano - histórias, livros, etc. – e tento imaginar “como seria fazer disto um jogo?”. Assim, os jogos vêm ter comigo através da literatura, do meu trabalho no Hansen Planetarium, das caminhadas pelos trilhos rochosos do sul do Utah, das minhas brincadeiras como a Mia (a cadela de um amigo) e de observar os meus gatos gordos girando pela casa.
Em que tipo de mecânica prefere focar o processo de desenvolvimento dos seus jogos?
Sempre que possível, gosto que as mecânicas envolvam todos os jogadores simultaneamente, em vez de apenas um de cada vez. Quero que todos se sintam envolvidos o mais possível nos jogos. Gosto que existam decisões difíceis que obriguem os jogadores a escolher apenas uma opção, quando realmente pretendem duas ou mais coisas. Também gosto que as mecânicas e os temas estejam perfeitamente integrados; nos meus jogos tento que sejam os temas a criar a mecânica e não o contrário.
Que nível de sorte considera aceitável nos seus jogos?
Depende do tema e da duração do jogo. Para jogos curtos ou médios, como o Bridge Troll, alguma sorte e caos são aceitáveis. Um jogo muito “sério” não se adequa ao tema de um duende. No Bridge Troll, a maioria das acções de um jogador dependem do que os outros jogadores fazem, pelo que mantém todos envolvidos. Muitos jogadores disseram-me que a primeira vez que se joga o Bridge Troll parece tudo muito caótico, mas que nas vezes seguintes se vai tornando cada vez mais estratégico, à medida que se entende as diferentes cartas e a interacções do jogo. Daí que seja aconselhável encarar a primeira vez como pura aprendizagem.
Em quantos jogos trabalha ao mesmo tempo? Trabalha em vários projectos em simultâneo ou dedica-se apenas a um único?
Gostaria de poder trabalhar apenas num jogo de cada vez, mas parece que tenho sempre várias ideias em simultâneo que necessitam a minha atenção.
O que é que pode dizer sobre o projecto em que trabalha actualmente? Pode revelar alguns detalhes do jogo em si?
O Bridge Troll foi o meu primeiro jogo a ser publicado, mas tenho, desde há algum tempo, muitos outros em avaliação em diferentes editoras (a maioria deles foram finalistas do concurso Hippodice na Alemanha). Na semana passada, um dos meus jogos mais recentes foi seleccionado para publicação pela FRED Distribution (editora do Gryphon e de Eagle Games - http://www.freddistribution.com/control/main), o que foi uma excelente notícia para mim. Tudo o que posso dizer, por agora, é que é um jogo, tal como o Bridge Troll, um pouco “torcido” e, espero eu, divertido, baseando-se no conto medieval “Canterbury Tales” de Chaucer. Tenho dois outros jogos em editoras, pelo que faço figas para que possam ser publicados também.
A sua família e amigos participam na sua aventura de criação de um novo jogo?
Oh sim, quer gostem ou não! :) A minha mulher e eu estamos sempre a jogar jogos de tabuleiro, jogamos regularmente com amigos há mais de dez anos. Faço também parte do Board Game Designer’s Guild of Utah que é um grupo de aspirantes a criadores que se encontra duas vezes por mês em Salt Lake City (Utah) para testar os jogos uns dos outros. Ajuda muito fazer parte deste grupo! (mais informação sobre o grupo em http://www.bgdg.info )
O desenvolvimento de um jogo envolve várias fases – criação, edição, testes e publicação – qual é a que mais lhe agrada? Porquê?
Boa pergunta! De todos, diria que a criação e publicação são os mais divertidos.
Na parte inicial, o estalo de endorfinas para transformar todas as novas ideias em coisas divertidas e o prazer que se sente ao ver novas ideias transformadas em jogos. Na fase final, a publicação é certamente o máximo. Mas, existe a edição e os testes pelo meio. Aqui a história já é bem diferente. É um trabalho bom, algumas vezes até divertido, mas é, sem dúvida, trabalho!
Com que frequência joga ou testa um jogo antes da publicação?
O mais possível, com amigos, com a família e, sempre que posso, com pessoas que não conheço pessoalmente (são as que dão as opiniões mais sinceras!). Normalmente, as editoras também entregam os seus jogos a jogadores de teste para avaliar e afinar os protótipos antes de publicação.
Qual o jogo que levou mais tempo a desenvolver q qual o teve mais alterações?
O protótipo do Bridge Troll foi feito em 2002. pelo que demorou sete anos a ser publicado! (jogámo-lo muito enquanto aguardávamos pelo The Two Towers). Foi finalista do Hippodice em 2005, o que foi um voto de confiança para a sua publicação. Só as mecânicas foram alteradas entretanto, não o tema. Posso agradecer a pessoas como Dave Bailey e Mike Compton da Board Game Designer’s Guild pelas sugestões e algumas das grandes modificações que melhoraram o jogo.
Tenho também um jogo para dois jogadores, chamado Ziggurat, que foi criado também em 2002 e que é, na minha opinião, o mais interessante e mais estratégico (foi também finalista no Hippodice de 2005). Precisará duma redefinição do tema antes de ser publicado, mas tem uma sólida mecânica. Tenho esperança que os editores que o têm se decidam a publicá-lo. Os jogos para dois jogadores têm um mercado mais pequeno que os outros, se a isto aliarmos o facto de o jogo ter muitas peças e um tabuleiro, temos um lançamento problemático. Mas com a chegada de excelentes jogos de dois jogadores, e respectivo sucesso no mercado, como o Mister Jack, aumentaram as minhas esperanças.
Um dos meus jogos de 2007, TEMBO, portou-se muito bem no concurso de criadores no Hippodice do ano passado (ficou em 3º lugar), mas depois de estar quase a ser publicado por uma proeminente empresa de jogos, o projecto foi abandonado. Penso que a razão se deve ao facto do tema ser muito similar a um jogo que está para ser lançado. TEMBO é sobre elefantes que transportam mercadorias por todo o tabuleiro – imaginem o meu choque quando vi o Bombay aparecer! Claro que foi apenas uma coincidência. Pelo que eu sei, este tipo de coincidências acontecem em todas as actividades, mas, na altura, não deixou de ser frustrante. O objectivo agora é redefinir o tema do TEMBO e esperar que a empresa reconsidere. O meu outro jogo que foi seleccionado pela FRED foi criado em 2008, pelo que o seu caminho foi bem mais rápido.
As editoras desenvolvem e alteram os originais que entrega? Fica sempre satisfeito com os desenvolvimentos introduzidos?
Algumas editoras querem um jogo acabado e pronto a ser publicado. Outros preferem poder desenvolver ou, até mesmo, redefinir o tema de um jogo que seja bom mas que requer algum trabalho. Já trabalhei com estes dois tipos de editoras e cada um tem as suas vantagens. O primeiro tipo dá uma maior liberdade ao criador, mas tal tem como consequência uma maior exigência de trabalho e disponibilidade para desenvolvimentos posteriores. As outras editoras, aquelas que querem ajudar no desenvolvimento do jogo, são muito úteis, pois partilham o trabalho necessário para afinar um jogo antes da respectiva publicação.
Como é que a internet afecta a criação dos seus jogos? Lê os comentários on-line sobre os seus jogos?
Oh sim, vou ao Boardgamesgeek e outros sites com regularidade. É um website muito poderoso! É útil para ler as opiniões, sobretudo como um guia para compilar listas de clarificação das regras, FAQ, etc. Também pode ajudar a perceber se as pessoas gostam do jogo ou não!
Que pensa sobre jogar jogos de tabuleiro on-line?
Gosto de jogar alguns jogos online e contra o computador, mas tenho que admitir que uma das razões porque gosto tanto de jogos de tabuleiro é por poder jogar com amigos cara-a-cara. Para jogar no computador, prefiro jogar os jogos de vídeo normais – dos quais também tenho os meus favoritos – mas tenho menos tempo para isso que aquele que costumava ter.
Com que frequência joga os seus jogos depois de serem publicados? Prefere jogar os seus ou os jogos de outros criadores?
Gosto de muitos jogos dos meus amigos criadores. Fico um pouco farto dos meus jogos passado algum tempo. Na altura que são publicados já se está pronto para saltar para outra coisa. Mas não deixa de ser divertido poder jogar os nossos próprios jogos com a qualidade de peças e design gráfico que advém da publicação.
Joga apenas de vez em quando ou os jogos são parte integrante do seu quotidiano?
Eu e a minha mulher começámos a noite de jogos à cerca de dez anos com o The Settlers of Catan e, desde aí, que jogamos uma vez por semana com amigos. Gostamos sobretudo de jogos para dois jogadores, como o Mister Jack, o Caesar & Cleopatra, o Mystery Rummy, o Lost Cities, o Odin’s Ravens, etc.
Qual o jogo que mais gosta de jogar? Porquê?
É difícil responder, pois há muitos jogos de que gosto. Um dos meus favoritos continua a ser o The Princes of Florence. Adoro a beleza intrínseca de colocar edifícios à volta do meu Plazzo. O jogo está tão bem desenhado que não consigo deixar de admirá-lo. The Traders of Genoa é um dos melhores jogos de comércio que já joguei e o Mystery of the Abbey é um dos mais divertidos e inteligentes. Gosto também de jogos recentes como o Stone Age e o Mister Jack. O Dominion é também divertido, claro.
Qual o seu jogo favorito? E qual o tipo de jogo que mais gosta?
É interessante esta distinção entre os meus «favoritos» e os jogos que «gosto mais». Suponho que será como uma crítica literária: há alguns autores que se «admiram» mais do que gostar? Toda a gente admira Henry James, mas não conheço muita gente que goste dos seus livros. Da mesma forma, admiro muitos jogos, como por exemplo o Agricola, mas, pessoalmente, acho-o demasiado complicado para montar e jogar muitas vezes com os amigos. O mesmo se passa com o Puerto Rico. O War of the Ring também dá muito trabalho a preparar, mas é um jogo excepcional.
No fundo, gosto de jogos que consigam criar aquele aperto na barriga com as decisões difíceis a tomar. O Taj Mahal é um bom exemplo disso. Gosto também dos jogos que fazem rir toda a gente. Ao fim de tantos anos continuo a gostar muito de Adel Verpflichtet/Hoity Toity, tal como de jogos de sociedade como o Balderdash.
Que prefere: jogar ou criar jogos?
Gosto de ambos. Mas, infelizmente, quanto mais trabalho na criação, menos tempo me sobra para jogar. Às vezes gostaria de poder desligar o “cérebro de criador” e poder simplesmente jogar jogos mais vezes.
Acha que as vendas são o factor determinante para que um jogo seja bom ou não?
Não. Muitos dos jogos que estão no top de vendas deixam-me completamente gelado.
Quando é que se apercebeu que criar jogos era o seu sonho?
“Sonho”, é isso mesmo. Criar jogos tira o sono! Penso que foi à cerca de oito anos que me apercebi que todos aqueles grande jogos que estava a jogar tinham sido criados por pessoas de «carne e osso» como eu. Tinha algumas ideias para jogos, pelo que resolvi tentar ver se tinha alguma aptidão para criador de jogos.
Como se define a si próprio enquanto criador de jogos?
Actualmente, com a publicação do meu jogo Bridge Troll, fico contente por me definir apenas, e em primeiro lugar, como um criador com jogos publicados! As pessoas tratam-nos de maneira *muito* diferente quando vêem um produto acabado na prateleira de uma loja de jogos. Deixam de nos tomar como um «sonhador». Passa-se, como por magia, a ser considerado um “criador de jogos”! No que concerne ao tipo de criador que sou, ter-se-á que aguardar para ver, pois só apenas tenho um jogo publicado. Até agora os meus protótipos são esquisitos e estranhos, pelo que não me surpreenderia que fosse definido como tal.
Tem outro emprego, ou é um criador de jogos a tempo inteiro?
(*Risos*) Como se pudesse! Pouco criadores conseguem ganhar o suficiente com a criação de jogos que lhes permita fazer disso um emprego a tempo inteiro. Sou aluno do Doutoramento em Inglês (literaturas britânica e americana) na Universidade do Utah. Gosto de ensinar, pelo que no futuro poderei criar jogos e dar aulas, e também escrever.
Segue, com especial atenção, algum criador de jogos?
Gosto muito de Bruno Faidutti e acompanho um bocado Wolfgang Kramer e Rudiger Dorn. Knizia publica tantos jogos que se torna difícil segui-lo. Tento estar atento a novos criadores como Matt Leacock, cujos jogos me impressionam bastante pela esperteza das ligações e das mecânicas. E, como é óbvio, não poderia deixar de acompanhar os progressos dos meus colegas do Board Game Designer’s Guild of Utah! O meu colega Mike Compton vai publicar, lá para o fim do ano, através da Rio Grande Games, o jogo “The Heavens of Olympus” (imagens do protótipo em: http://www.boardgamegeek.com/boardgame/37680 ). Sean MacDonald terá o seu jogo, sobre pintar obras-primas, publicado pela FRED Distribution em 2010. E brevemente outros membros irão também ter jogos publicados, incluindo Scott Nelson's com o Diver Down e Mike Drysdale's com o Hagoth:Builder of Ships. O membro Ryan Laukat não fez apenas as ilustrações para o Bridge Troll, mas também para o jogo Strozzi de Reiner Knizia e para o Dominion e suas expansões.
Será que os jogos de tabuleiro podem ser usados para fins educativos?
Absolutamente. Giles Pritchard tem um website totalmente dedicado à temática da utilização de jogos na educação (http://www.gamesforeducators.com/). O meu colega do Guild, Steve Poelzing, dirige uma empresa, Games for the Mind, que se direcciona para jogos educativos: http://www.gamesforthemind.com.
Mas, para mim, simplesmente *jogar* jogos de tabuleiro é mais importante que jogar especificamente jogos de tabuleiro *educativos*. Eu raramente aprecio jogos rotulados de *educativos*. Muita *educação* acontece só por jogar, ler as regras e interagir com os outros jogadores, independentemente do jogo que se jogue. Estudos mostram que jogar jogos activa o cérebro e estimula a construção de novas ligações, para além de se construírem novos relacionamentos e, ao enquadrar conflitos, reduzir tensões.
Que pensa da actual crise económica? Irá afectar a venda de jogos?
Espero que com mais “ficar cá” e o aumento dos custos das viagens, os jogos de tabuleiro sejam mais jogados por amigos e famílias. Um jogo de cinquenta dólares pode parecer caro, mas se fizermos as contas às horas que se passam a jogar, é, de facto, muito barato.
Os jogos “Age of Empires III” e “Goa” retratam tempos gloriosos de Portugal, será que a História de Portugal poderá a vir a ser o tema de um dos seus jogos?
Há alguns anos criei um jogo sobre o Comércio de Especiarias, que envolvia Portugal como uma das principais potências dominantes, através das suas colónias no Oriente. Infelizmente, o jogo nunca chegou a “funcionar”. Também fui consultor de um jogo de Piratas envolvendo diversas potências marítimas, Portugal era uma delas. Portugal tem uma história fascinante e poderá ser uma grande fonte de inspiração para muitos jogos. Têm alguma sugestão para um jogo sobre Portugal? Sou todo ouvidos!
Que conhece de Portugal? Já esteve em Portugal?
O mais próximo que estive de Portugal foi no tabuleiro do El Grande que se passa em Espanha! Ainda não visitei, mas estou curioso em aprender mais sobre Portugal. Por mais embaraçoso que possa parecer, o meu contacto com o português vem de ler a novela de ficção científica, Speaker for the Dead, de Orson Scott Card que se passa numa colónia espacial portuguesa. A minha mulher fez parte dos seus estudos num colégio em Espanha, e isso foi o mais próximo de Portugal que estivemos.
Muito obrigado pela entrevista.
Obrigado, Paulo. Foi um prazer!
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A tradução desta entrevista teve o patrocínio de: